O recurso a elevadas doses de tranquilizantes é um dos principais métodos de tentar o suicídio em Portugal, alertou um especialista, que estima que cerca de oito em cada dez portugueses já tenham consumido estes medicamentos.
Em entrevista à agência Lusa, o neurologista Nuno Canas considerou que o recurso a estes medicamentos, aliados ou não ao álcool, é uma das formas mais comuns para as tentativas de suicídio, uma vez que os doentes que os tomam têm muitas vezes quadros depressivos associados aos problemas de ansiedade ou de sono.
Para o especialista, uma forma de minimizar o problema seria prescrever embalagens mais pequenas destes fármacos, embora reconheça que isso faria aumentar o número de consultas médicas.
O psiquiatra Ricardo Gusmão, por seu lado, admite que os tranquilizantes (benzodiazepinas) sejam frequentemente usados nos parasuicídios, mas não nas tentativas reais de suicídio.
Nas tentativas de suicídio há uma real intenção de morte e habitualmente são usados meios mais letais, como o enforcamento e a intoxicação voluntária com venenos.
«Os parasuicídios são formas mais ou menos conscientes de comunicar uma situação de crise que um indivíduo se sente incapaz de resolver e pode ser encarado como um modo de pedir ajuda a terceiros», explicou à Lusa o professor de psiquiatria Ricardo Gusmão.
Nestes casos, o coordenador em Portugal da Aliança Europeia Contra a Depressão considera que as benzodiazepinas são frequentemente utilizadas, mas que raramente resultam em morte.
O neurologista Nuno Canas alertou ainda que os tratamentos com tranquilizantes (benzodiazepinas) são muito mais prolongados do que deviam, uma responsabilidade que atribuiu essencialmente aos médicos.
«Os tratamentos com benzodiazepinas deviam durar um ou dois meses no máximo, mas estão a ser muitíssimo mais prolongados», afirmou.
Para o neurologista do hospital Egas Moniz, «a responsabilidade é dos médicos em geral, que não param os tratamentos quando deviam», o que acontece porque as benzodiazepinas são eficazes e induzem nos doentes uma sensação de calma.
Em contraponto, o psiquiatra Ricardo Gusmão diz que é residual o número de doentes que não passam sem benzodiazepinas por um período superior a três meses, assumindo contudo que «boa parte» do seu trabalho consiste em fazer o desmame destes fármacos.
Alterações cognitivas, dependência física e psíquica e elevada tolerância (tem de se ir aumentando a dose para que o medicamento faça efeito) são os principais problemas de uma toma prolongada dos tranquilizantes.
«Os médicos prescrevem frequentemente benzodiazepinas porque as pessoas pressionam. Não valorizam também o problema da dependência, das alterações tóxicas comportamentais e cognitivas», afirmou o especialista, sublinhando que há muitas farmácias a vender estes medicamentos sem receita médica e contra a lei.
Os medicamentos com substâncias naturais, como o extracto de valeriana, têm sido apontados por alguns médicos como uma alternativa às benzodiazepinas.
«As companhias farmacêuticas estão a começar a apostar nesta alternativa. O efeito destes produtos naturais não é tão rápido, mas a eficácia é semelhante e os efeitos acessórios são incomparavelmente menores», defendeu Nuno Canas.
Como exemplo dos efeitos secundários reduzidos, o médico do Egas Moniz dá o caso de um doente que se tentou suicidar com 100 comprimidos de extracto de valeriana e que, no dia seguinte, apenas acordou com mais sono.
Mas Ricardo Gusmão ressalva que a valeriana apenas tem utilidade como ansiolítico em casos SOS, uma vez que tomada durante alguns dias seguidos deixa de cumprir esse efeito.
«Não presta para tratamentos estruturados e não pode substituir as benzodiazepinas», comentou, apontando antes como alternativa a buspirona, que o neurologista Nuno Canas também nomeou como fármaco uma opção com riscos de dependência e de tolerância muito menores.
Diário Digital / Lusa
O que fazer?
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